Desenho e Pintura de Carlos Quitério
16.07.2009
Na maioria das obras em desenho, assemblage e pintura de Carlos Quitério, a linguagem apresentada assenta nos diversos pressupostos do Rizoma (Rhizome - como Gilles Deleuze e Felix Guattari o demonstram e desmistificam) nos quais, e neste caso, o Desenho como prática artística moderna, no seu processo e linguagem, associados à natureza, experiência(s) e modus-operandi do seu criador, remetem para um pensamento e leitura não linear da parte do receptor, sem uma finalidade ou propósito de construção ideológica, sem uma possível análise fundamentada nos pressupostos académicos da arte antiga: “simbologia ou narrativa + estrutura formal = Finalidade, como utilidade, prática e pragmática“.
Um rizoma não começa nem acaba, está sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem por tecido a conjunção ” e… e… e… “. Ha nesta conjunção bastante força para sacudir e desenraizar o verbo “ser”. Onde é que vão? Donde partem? Onde é que querem chegar? São questões bem inúteis. (…)
- Rizoma, Gilles Deleuze e Felix Guatarri, Edição Assírio e Alvim
No seu aspecto puramente formal, é feito de composições gráficas e figurativas nas quais a combinação “pensamento / zapping mental” ‘VS’ concretização material, toma o seu lugar e se manifesta no suporte, podendo também, por outro lado, dar lugar ou manifestar-se através de resíduos visuais e associações espontâneas de termos, palavras ou expressões verbais, que formam “organismos” que na sua representação se dispõem organizadamente e/ou hierárquicamente, se constroem e se ramificam, mas sem uma lógica fundamentada ou sem uma finalidade objectiva ou concreta.
O Pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. O que se chama por engano “dendrites” não garantem uma conexão dos neurónios num tecido contínuo. A descontinuidade das células, o papel dos axónios, o funcionamento das sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de todas as mensagens por cima dessas fendas, fazem do cérebro uma multiplicidade que está mergulhada no seu plano de consistência ou no seu visco, todo um sistema probabilístico incerto, uncertain nervous system. (…)
- Idem, Ibidem
É o "caos" registado sequencialmente, através de uma aparente, mas não premeditada, organização gráfica e esquemática que proporciona, na materialização das obras, infinitas possibilidades gráficas a percorrer, com fontes inesgotáveis para recorrer. Este “caos registado sequencialmente” traduz-se no axioma que dita a fórmula quase matemática, mas imperfeita, como se de um número irracional se tratasse, que rege o trabalho de Carlos Quitério, dentro dos trâmites da doutrina (queiramos prática e conceptual) da arte contemporânea na sua projecção e pensamento inerente, produção e emissão (excluem-se as outras áreas de mercado na quais Carlos exerce funções e corresponde a tarefas pontuais - Design Gráfico, Ilustração editorial, Publicidade, nos quais existe a função e objectivo de dar respostas úteis e concretas para a acessível descodificação do receptor, dentro dos meios de comunicação adequados a tal).
Objectivamente, o discurso visual passa pelas demais referências que advêem dos mais diversos canais, veículos e meios de comunicação absorvidos, desde a BD (o seu ritmo, layout e conceito básico: texto + figuração), a publicidade no seu propósito comunicativo ou meramente formal, a tipografia, o design e toda a sua panóplia de suportes, meios e funções como os posters, o layout e interfaces de suportes editoriais e digitais, ou a programação, a arquitectura, a mecânica (como ferramenta ou dispositivo) o retrato, a música (na sua cadência rítmica, lírica e simbólica), os conteúdos de televisão, o cinema ou vídeo, a simples memória visual do ambiente em redor, entre ínumeras outras referências, e daí extrái aquilo que os espaços abertos pela latência do esquecimento permitem encaixar e posteriormente exteriorizar directamente para o(s) suporte(s).
Existe assim um paralelo e ao mesmo tempo proximidade nos efeitos que a TV (como meio de difusor e emissor de imagem para as massas) exerce sobre o telespectador - só uma mínima parte das imagens e mensagens sobrevivem ou são memorizadas, tal como a construção das mesmas imagens que no discuro visual das obras de Carlos Quitério são exteriorizadas - o zapping-cerebral, atrás mencionado, são da mesma forma interiorizadas e filtradas pelo receptor, que no seu raciocínio lógico ou emocional, as descodifica, atribuindo valores condicionados à sua experiência pessoal, de uma forma mais ou menos intensa, intensidade esta que varia consoante o local ou suporte de emissão para apresentação dos trabalhos: Internet, galeria de arte, revista/jornal, livro, etc…