“Relativamente” com João Lagarto, António Pedro Cerdeira e Patrícia Tavares
07.05.2010
Em "Relativamente" o assunto é a mentira. Cruzando com uma espantosa eficácia cómica a esfera do privado e do público, os quatro personagens vêem-se envolvidos numa série de equívocos que se desenvolvem a uma velocidade vertiginosa e dos quais não conseguem, nem querem, sair.
É um retrato da classe média, das suas máscaras sociais e privadas, dos seus jogos de atracção e repulsa, das suas convenções, do seu arcaísmo e da sua modernidade.
É também um retrato do casamento, uma reflexão sobre o desejo e a transgressão, sem conclusões nem moralidades, mas com um perspicaz desenho de comportamentos, em que os personagens, apesar de continuamente “esticados” pela máquina da comédia, nunca deixam de ser plausíveis e reais.
É, para o actor, uma óptima oportunidade de definição de caracteres.
“Procuramos um registo que não seja nem o da comédia de efeito simples, baseada no trocadilho verbal e na caricatura rasteira, nem o da vulgar cartilha naturalista e psicológica”, refere João Lagarto. São personagens fortemente ancoradas na realidade, mas com um metabolismo transtornado e acelerado pelo vórtice das situações (plausíveis apesar de tudo) em que se vêm envolvidos.
A mentira é a chave. Todos os personagens mentem, ou inventam, e todos eles gostam de o fazer. Mostram-se diferentes do que são realmente. Como se a vida social exigisse uma certa dose de falsidade para se manter de pé. Como se a classe média actual fosse uma parente distante da nobreza do ancien régime, com os seus rituais, as suas hierarquias, a impetuosidade dos seus desejos. Essa nobreza que estipulou a civilidade, as cartilhas de boas maneiras, as regras higiénicas da vida na corte.
A mentira é também o segredo e há qualquer coisa de policial e de misterioso nesta história. E são os objectos (os adereços) as testemunhas mudas mas fulgurantes daquilo que os personagens escondem. Esses adereços serão a marca plástica mais forte do espectáculo. Não haverá cenário, no sentido da delimitação dum espaço, haverá objectos, poucos e simples, mas suficientemente sugestivos quer da definição das situações quer dessas fulgurações de verdade em que os personagens tropeçam no meio da sua frenética dança de véus.
“Procuraremos decididamente o público. Que ele reconheça (e se reconheça) nas atribulações dos quatro personagens. Procuraremos envolvê-lo nesta máquina cómica, não lhe deixar tempo para respirar”, adianta o encenador.
“E que no fim saia do espectáculo divertido e mais coeso do que quando entrou, por ter assistido a uma história cuja lógica interna conseguiu colectivamente decifrar”, conclui.
“Com Relatively Speaking quis escrever uma peça bem feita", diz o próprio Ayckbourn. O autor, adianta que "acho que é importante para um dramaturgo fazer isto pelo menos uma vez na vida, porque, como em qualquer ciência, não se podem romper as convenções teatrais e destruir regras sem primeiro as ter compreendido intimamente e percebido porque é que elas existem".
A peça foi escrita a convite de um grande homem de teatro, Stephen Joseph. "Ele pediu-me simplesmente uma peça que fizesse as pessoas rir quando as suas férias de Verão fossem estragadas pela chuva e elas fossem ao teatro para se aquecerem antes de voltarem a casa alugada. Pareceu-me um objectivo tão bom como outro qualquer, e tentei cumpri-lo. Oxalá tenha conseguido".
Alan Ayckbourn é um autor pouco representado em Portugal. "Ao produzirmos ´Relativamente´ queremos corrigir essa falta. E queremos também fazer uma peça que, tendo embora uma vertente comercial, não deixa se ser ´bom teatro´", explica João Lagarto.
A história é resumidamente a seguinte: Greg está a ficar cada vez mais desconfiado com a visita que Ginny, a sua namorada, vai fazer aos pais e decide ir atrás dela. Ginny vai na realidade encontrar-se com o antigo amante para acabar a relação com ele, mas quando Greg aparece e julga que o antigo amante e a mulher dele são os pais de Ginny a situação torna-se incontrolável e altamente hilariante.