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Companhia Nacional de Bailado - Digressão Nacional

02.04.2017

domingo, 17:00


                                                                                              Bruno Simão

Às 17h00

BALANCHINE / KEERSMAEKER 

FORSYTHE / VAN MANEN

SERENADE / GROSSE FUGE / HERMAN SCHMERMAN / 5 TANGOS

Este é um programa de reportório onde se reúnem alguns dos coreógrafos que mais marcaram a História da Dança.

A belíssima e feminina Serenade de Balanchine que contrasta com a energia masculina de Grosse Fuge de Anne Teresa De Keersmaeker, a abstração de William Forsythe com um dueto virtuosístico e a inspiração latina de 5 Tangos de Hans van Manen são uma janela aberta para o que de melhor se produziu no séc. XX.

PROGRAMA

“Serenade”, George Balanchine

“Groose Fuge”, Anne Teresa de Keersmaeker

“Herman Schmerman”, William Forsythe

“5 Tangos”, Hans van Mannen

Bilhetes:
Bilhete Geral: 12,50€



“Serenade”, George Balanchine

Serenade foi a primeira obra criada por Balanchine, nos Estados Unidos da América. Inicialmente dançada pelos alunos do American Ballet School, em 1934, e no ano seguinte estreada peloAmerican Ballet no Teatro Adelphi, em Nova Iorque, foi coreografada sobre a partitura Serenade para cordas em Dó, Op. 48, de Tchaikovski.

Interpretado por 28 bailarinos é um bailado sem qualquer linha dramatúrgica, no qual a coreografia foi construída à volta de situações inesperadas, surgidas no desenrolar dos ensaios.

A queda de uma bailarina, ou a chegada atrasada ao ensaio de uma outra, foram incorporadas na coreografia.

George Balanchine Coreografia
Piotr Ilitch Tchaikovski Música
Nanette Glushak Assistente da Fundação Balanchine
©The George Balanchine Trust


Bruno Simão



“Groose Fuge”, Anne Teresa de Keersmaeker
 
Grosse Fuge foi criado por Anne Teresa De Keersmaeker, em 1992, como uma das partes de Erts. Mais tarde retomou-o em Kinok, bem como noutras noites de reportório.
 
Coreografado sobre o último quarteto de cordas composto por Ludwig van Beethoven, representa uma meticulosa tradução coreográfica da composição musical.
 
Beethoven constrói dois temas que depois transforma de maneiras diversas, sendo que os bailarinos acompanham, através dos movimentos, essas transfigurações.
 
A escrita coreográfica é ajustada com precisão à partitura e cada nota e cada passo são coordenados com tal exatidão que produzem uma inédita e fascinante dualidade entre o que se vê e o que se ouve.
 
Anne Teresa De Keersmaeker Coreografia
Ludwig van Beethoven Música
Jan Joris Lamers Cenografia e Desenho de Luz
Rosas Figurinos
Georges-Elie Octors Análise Musical
Nordine Benchorf, Bruce Campbell, Vincent Dunoyer, Thomas Hauert, Cynthia Loemij, Oliver Koch, Eduardo Torroja Co-Criação
Jakub Truszkowski Assistente da Coreógrafa
 

Bruno Simão


“Herman Schmerman”, William Forsythe

Herman Schmerman estreou em 1992 no Ballet da cidade de Nova Iorque, coreografado para cinco bailarinos.

Quatro meses mais tarde, para o Ballet de Frankfurt, Forsythe criou um dueto adicional a este bailado.

Desde então é apresentado em diversas companhias no mundo, tanto a versão completa como apenas o dueto.

Esta é uma aparente competição homem-mulher. Para o coreógrafo é uma simples peça sobre dança.

 

William Forsythe Coreografia, Espaço Cénico e Desenho de Luz
Thom Willems Música
Gianni Versace e William Forsythe Figurinos
Maurice Causey Assistente do Coreógrafo


Bruno Simão



“5 Tangos”, Hans van Mannen

Hans van Manen não deu especial atenção aos títulos das músicas, de Astor Piazzolla, deixando-se guiar simplesmente pelos ritmos surpreendentes da dança latina e pelos fortes sentimentos que esta evoca, numa verdadeira visita ao universo do tango.

 

 

 

 

 

• Hans van Mannen Coreografia
• Astor Piazzolla Música
• Jean-Paul Vroom Cenários e Figurinos
• Jan Hofstra Desenho de Luz
• Nathalie Caris e Mea Venema Assistente do Coreógrafo


Bruno Simão


Corpos expandidos, com e sem sapatilhas de pontas

O progressivo desenvolvimento, ao longo do tempo, do trabalho técnico das bailarinas com as sapatilhas de pontas, introduzidas no ballet no início do século XIX, foi acompanhado de uma diferenciação entre o vocabulário da dança feminina e masculina e dos seus papéis na execução dos duetos não existente, segundo o que as fontes históricas nos permitem saber, no ballet do século XVIII. Aquele instrumento técnico, que começou por ser um sapato flexível reforçado na biqueira por uma cerzidura, antes de se transformar no bloco resistente que hoje conhecemos, viabilizou, no romantismo, a projeção vertical do corpo e a representação da mulher como um ser idealizado, transcendente, etéreo, de que os seres alados, como as sílfides, as willis ou as péris, eram a metáfora. Na segunda metade do século XIX, na Rússia imperial, Marius Petipa concedeu à bailarina um papel ativo e determinante nas performances, criando para ela e à volta dela solos tecnicamente muito virtuosos.

No século XX, George Balanchine expande o vocabulário da técnica da dança clássica e as possibilidades de composição do movimento no espaço, explora as dobras do corpo, combina o peso e a leveza. As mulheres, em sapatilhas de pontas, são uma das suas inspirações; a outra é a música. Serenade (1935) o primeiro ballet que cria nos Estados Unidos da América, depois da estética apolínea de Apollo (1928) e da composição construtivista de The Prodigal Son (1929), obras criadas para os Ballets Russes de Serge Diaghilev, é um dos exemplos maiores da excelência de Balanchine como inventor de vocabulário, compositor de danças, da sua extraordinária musicalidade e do carácter alusivo e, contrariamente ao ballet do século XIX, não figurativo das suas danças.

A primeira apresentação de Serenade foi em 1934, com estudantes da School of American Ballet, escola criada nesse mesmo ano por Balanchine e Lincoln Kirstein. A coreografia resultou de um trabalho em torno das técnicas de palco, tendo o coreógrafo incorporado alguns dos incidentes que tiveram lugar durante os ensaios: uma estudante que chega atrasada e retoma o seu lugar no grupo; outra que cai e que, na obra, virá a ocupar um papel importante no inesperado (tendo em consideração a estrutura formal da peça) trio final, na Elegia. Trata-se de uma bailarina que é elevada e transportada no espaço, com os braços alongados para trás, uma cena que parece evocar a morte e a ascensão das heroínas nos ballets românticos.

Há nesta coreografia, oficialmente estreada em 1935, outros elementos que nos reenviam para a estética romântica, ou melhor, para a forma como ela é convocada por Mikhail Fokine, em Les Sylphides (1909), designadamente o corpo de bailarinas, não obstante o que sobressai não ser uma homogeneização das suas performances, mas, pelo contrário, sublinhe-se, o contributo do trabalho de cada uma delas para o grupo; e os vestidos compridos translúcidos de tule azul, desenhados por Barbara Karinska, que reforçam a leveza e a flexibilidade do movimento, os quais, contudo, só foram introduzidos numa produção de Serenade de 1952. A alteração dos figurinos (os originais eram vestidos pelos joelhos, opacos, mais pesados e afins à roupa quotidiana da época) é concomitante com as várias transformações que a peça foi sofrendo ao longo do tempo, designadamente da sua estrutura. Nas primeiras produções, Balanchine só usou os três primeiros movimentos da partitura de Tchaikovski — Sonatina, Valsa e Elegia. Introduz, em 1940, o quarto movimento, o Tema Russo, mas invertendo a sua ordem, relativamente à partitura do compositor, ou seja, encerrando a coreografia em tom triste e lamentoso; um fim que, na realidade, não deixa de ser anunciado pela primeira imagem da obra: dezassete bailarinas, de pé, com o braço direito esticado para a frente, formando com o tronco um ângulo obtuso, e mão fletida, dirigindo-se a um espaço desconhecido.

Utensílio ascensional por excelência do romantismo, as sapatilhas de pontas seriam, ao longo do século XX, um artifício que os coreógrafos continuariam a explorar de formas inventivas e como expressão de diversas modalidades de representação do mundo e da figura feminina. Foi assim com Balanchine, ao longo de toda a sua prolixa carreira — mencionem-se obras como Concerto Barocco (1941)ou Agon(1957), também apresentadas pela Companhia Nacional de Bailado (CNB), em programas anteriores; seria assim com William Forsythe. Este norte-americano, que iniciou a sua carreira como bailarino profissional no Joffrey Ballet 2, tendo-se transferido, em 1973, para o Stuttgarter Ballett, e assumido, em 1984, a direção do Ballett Frankfurt, utiliza, sobretudo nas suas peças das décadas de 1980-90, o vocabulário da dança clássica, expandindo-o com o contributo das teorias de Laban, segunda as quais o movimento do corpo poderia ser desencadeado por qualquer parte do corpo, aumentando, assim, exponencialmente as potencialidades expressivas do corpo.

Nas obras de Forsythe, cujo trabalho multidisciplinar contribui para modificar a paisagem da dança contemporânea europeia, o mundo é representado como uma realidade ampla, fragmentada, complexa e instável, e as bailarinas, sobre sapatilhas de pontas, são mulheres autónomas, determinadas e investidas de poder. Estas representações são bem visíveis nos virtuosíssimos pas de deux que predominam em outras peças também montadas para a CNB, designadamente, Artifact II (1984) e In The Middle Somewhat Elevated (1988), evidenciando-see também no dueto Herman Schmerman.

A peça foi criada para o New York City Ballet, em 1992, mas o dueto só foi acrescentado quando o coreógrafo a remontou para o seu Ballett Frankfurt, nesse mesmo ano, sendo, desde 1999, apresentado autonomamente. Herman Schmerman é uma dança divertida, animada, como a música de Thom Willems, de uma sensualidade despreocupada (também sugerida pela transparência do figurino criado para a bailarina por Gianni Versace), lúdica, como o jogo de sonoridades contido no título, o qual foi extraído de uma fala do ator Steve Martin do filme Dead Men Don't Wear Plaid (1982), de Carl Reiner.

Neste dueto, que a CNB apresenta pela primeira vez, homem e mulher testam o seu equilíbrio, realizam movimentos multidirecionais, rápidos, com inclinações e desvios súbitos, combinados com gestos e movimentos simples, quotidianos. A peça termina com a bailarina rodopiando como uma boneca numa caixa de música, imagem muito parecida com uma que veríamos também em Serenade, de Balanchine, coreógrafo que William Forsythe reconhece como sendo uma influência determinante no seu trabalho.

Balanchine é também uma reconhecida influência para Hans van Manen, o artista holandês que foi coreógrafo residente do Nederlands Dans Theater, companhia de que também foi diretor artístico, e do Het Nationale Ballet. Desde o início da sua carreira como coreógrafo, nos anos 1960, interessa-se por fazer uma síntese entre o vocabulário da dança clássica e as linguagens da dança moderna. Van Manen é um mestre na criação de pas de deux, figura coreográfica que predomina nas suas obras, como em Adagio Hammerklavier (1973), para dar o exemplo de uma criação também montada para a CNB. Os duetos têm frequentemente uma carga erótica e, entre homens e mulheres, representados como géneros com poderes iguais, estabelece-se constantemente uma relação de atração e repulsa. 5 Tangos (1977) não é exceção. Nesta obra, a música de Astor Piazzolla contribui para a criação de uma qualidade de movimento direta, repentina, angulosa.

Se para estes criadores, as sapatilhas de pontas são uma atração e um instrumento para a descoberta de novos padrões coreográficos, a belga Anne Teresa De Keersmaeker, que estudou na escola Mudra, em Bruxelas, e na Tisch School of the Arts, em Nova Iorque, prefere os ténis, os sapatos de salto alto ou os pés nus, em contacto direto com o chão, muito embora tenha trabalho também com sapatilhas de pontas em Lisbon Piece (1998), a peça que constrói para os bailarinos da CNB, naquela que foi também a sua primeira colaboração com uma companhia de repertório. No início da sua carreira como criadora, De Keersmaeker trabalha só com bailarinas, como em Fase (1982) e Rosas danst Rosas (1983), explorando, em estruturas minimais e complexas, movimentos abstraídos de ações do quotidiano e de comportamentos femininos — apanhar o cabelo, ajustar as roupas. Quando integra bailarinos na Rosas, a companhia que funda em 1983, os gestos e as saias rodadas das mulheres e os movimentos atléticos dos homens podem reforçar estereótipos de género, como acontece em peças como Ottone Ottone(1988) ou Achterland (1990), o que, pelo contrário, não se verifica em Grosse Fuge(1992).

Grosse Fuge, inicialmente interpretada como parte de Erts (1992), a primeira peça que De Keersmaeker criou na qualidade de coreógrafa residente de De Munt/La Monnaie, em Bruxelas, bailarinos e bailarinas, vestidos de igual, sem sapatilhas de pontas, realizam movimentos com qualidades idênticas. Sobre a partitura de Ludwig van Beethoven, saltam, balanceiam, rebolam no chão, projetam-se no ar, rodopiando quase com o corpo em posição horizontal, caem e voltam a levantar-se. Em Grosse Fuge, nem o movimento nem os figurinos determinam diferenças de género, para que do grupo, igual, se revele o que é único em cada intérprete, em cada pessoa, num espaço-tempo que os movimentos circulares e em espiral abrem ao infinito.

 

Maria José Fazenda