A ESTALAJADEIRA, de Carlo Goldoni
20.04.2013
A ESTALAJADEIRA, de Carlo Goldoni
E vós, senhores, aproveitai de tudo o que vistes para vantagem e segurança dos vossos corações. E se alguma vez estiverdes numa ocasião de duvidar, quase a ceder, pensai nos artifícios que vistes. E lembrai-vos da Estalajadeira!
Carlo Goldoni, A Estajaladeira
O texto está publicado noTeatro Escolhidode Carlo Goldoni nos Livros Cotovia.
Jorge Silva Melo, VOLTAR SEMPRE A GOLDONI – E SORRIR
“Os dois livros sobre os quais mais meditei, e de que nunca me arrependerei de me ter servido, foram o Mundo e o Teatro” é uma das mais conhecidas afirmações de Goldoni (em 1750, no prefácio à primeira edição das suas obras) e terá sido Mario Baratto quem, em 1957, e abrindo novo campo nos estudos do seu teatro, chamou a atenção para essa declaração, lapidar arte poética[1]. Com efeito, ele fez soprar o vento (a brisa nova?) da realidade sobre as formas estereotipadas do teatro do seu tempo, essa Commedia dell´arte tão cheia de encantos como de preconceitos e abastardamentos, fórmula que envelhecia na foz.
Mas Goldoni é um reformador cauteloso. Não se pôs a destruir as formas velhas, caducas embora, estudou-as, calçou-as com os sapatos sujos da realidade, encontrando nelas as lentes que lhe permitiram observar a vida, esse segredo escancarado. No imenso cortejo que ele criou, repleto de pais burgueses e filhas casadoiras, criados espevitados e aristocratas empobrecidos, comerciantes espertos e notários ávidos, encontramos a reduzida galeria de tipos que fizera a comédia popular, os Pantaleões, os Arlequins, as Colombinas, os Brighella da tradição. Mas, ao volte face permanente desse teatro de todos os efeitos, a que, em O Servidor de Dois Amos simultaneamente rende homenagem e volta costas, contrapõe Goldoni um outro tempo dramático. As suas peças serão cada vez mais lentas, as intrigas mais desnudadas, o enredo rarefaz-se, as cenas serão mais demoradas, as conversas mais importantes do que as reviravoltas da intriga, é como se o carrossel tivesse que parar e o teatro de Goldoni apanhasse as personagens na volta final e na descida, quando se apoiam umas às outras, depois do sarrabulho, depois da vertigem.
É que o mundo está a mudar, muda. (…) Não é fácil saber que o mundo está a mudar. E Goldoni sabe-o, vai vendo o velho ruir, o novo afirmar-se, anota, anota sem fim, vê, tudo vai trazendo para o palco, gente, coisas, contratos, cadeiras, é uma sanguessuga da vida, o palco tem um íman a que ele se oferece. E o seu teatro, teatro novo, será a amável anotação deste tempo que passa, deste mundo que muda, teatro ele próprio em mudança, forma que se vai adequando à investigação e ela própria investigada.
Volto sempre a Goldoni, nasceu ali um teatro, nasceu um mundo. Naquela atenção que ele próprio, arrasado por um real mais real do que o teatro, por um teatro em decomposição foi inventando.
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Mario Baratto, SOBRE “A ESTALAJADEIRA”
A Estalajadeira nasce num momento crítico e complexo da actividade de Goldoni: quando parece que ele marca uma certa distância com os seus actores e com a sua temática, e tenta a via do “artifício” refinado, claro, mas também mais desligado, menos directamente envolto num propósito de grande “reforma”. (…) Se pensarmos na cena, instalada por livre convenção da comédia em língua italiana, em Florença: uma estalagem, uma cena comum do teatro da época, que antecipa uma potencialidade de aventuras, uma mistura notável de personagens e acontecimentos. Goldoni, em A Estalajadeira, faz dessa cena um uso relativamente abstracto e indirectamente realista, no sentido em que tal lugar neutro permite mais facilmente, por um lado, a liberdade e surpresa dos encontros e contactos, a sobreposição de hábitos e novidades, permitindo, por outro lado, com maior agilidade, a coexistência de personagens de diferentes estatutos sociais, todas com motivações históricas, reunidas fugazmente mas também simbolicamente, para representar um momento especial de deslocamento dos estratos sociais (giram à volta de Mirandolina, para quem a estalagem significa o local de trabalho e ganha-pão, o nobre arruinado, o novo-rico que comprou o título, o Cavaleiro, gentil e rico, e do outro lado o criado Fabrício, que aspira a um casamento com a patroa, e os criados dos nobres; para além das personagens excêntricas e marginais, mas também significativas, das duas comediantes). (…) É neste quadro que se desenvolve a acção pedagógica de Mirandolina: “Mirandolina faz-nos ver como os homens se apaixonam”. Para este fim, usa o instrumento da ficção, o teatro: que lhe permite não apenas controlar gestos e palavras no contacto com as personagens, em cena, mas também anunciar e organizar a própria comédia dialogando com o público, o qual constitui, deste ponto de vista, o seu verdadeiro interlocutor. Essa relação, que é o sinal da sua superioridade intelectual, desdobra a personagem de actriz em encenadora da acção. (…)(…) Goldoni está a preparar, nestes anos, um teatro mais simples e despido, com personagens e talvez com novas máscaras (podemos dizer) fortemente tipificadas, carregadas de uma forte carga simbólica, e por isso capazes de exprimir uma visão “crítica” mais complexa, em relação a uma sociedade em declínio e sem alternativas claras. Talvez se possa compreender, então, por que razão A Estalajadeira é uma comédia muito revisitada e nunca esgotada: ela revela claramente, e ao mesmo tempo problematiza, o núcleo essencial do melhor teatro de Goldoni: constituído por um tecido intrincado de relações sociáveis, onde as necessidades de cada grupo social não excluem (pelo contrário), o recorrente imprevisto do comércio quotidiano dos indivíduos. (…)
[1] Baratto, Mario, “Mondo” e “Teatro” nella poetica di Goldoni, Venezia, Stamperia di Venezia, 1957.
A ESTALAJADEIRAde Carlo Goldoni
Tradução: Jorge Silva Melo
Com Américo Silva (Marquês), António Simão (Conde), Catarina Wallenstein (Mirandolina), Elmano Sancho (Cavaleiro de Ripafratta), Rúben Gomes (Fabrício), Maria João Falcão (Hortênsia), Maria João Pinho (Dejanira), João Delgado (criado), Tiago Nogueira (criado) Cenografia e FigurinosRita Lopes Alves
Luz: Pedro Domingos
Assistência: Leonor Carpinteiro
Encenação: Jorge Silva Melo
Co-produção TNSJ / Artistas Unidos / CCB com o apoio do Centro Cultural do Cartaxo
Classicação: M/12
BILHETES:
PÚBLICO GERAL: 10 €
ESTUDANTES ( < 24 ANOS ), SÉNIOR ( > 65 ANOS ): 7.50 €
Bilhete PACK FAMILIA (3 pessoas): 20 €